sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Do Moderno ao Banal


Ao longo da história das cidades, desde a cidade Medieval, passando pela Renascentista, Barroca e até a Moderna, nota-se que as cidades crescem e se organizam de forma casual. Casual no sentido de que as cidades despendiam de toda uma infraestrutura de proteção de si mesma sem pensar em seu crescimento. Prova disso são os vários traçados de antigas muralhas remanescentes nas cidades antigas. Porém, um fator que deve ser considerado é que a população mundial se caracterizava em sua maioria como campestre, e não citadina.
Com a Revolução Industrial Inglesa do século XVIII e consequentemente o êxodo rural que esta provocou, aliado aos avanços tecnológicos por esta alcançados, quadruplicou a população mundial em 1850, enquanto a população citadina se multiplicou em dez vezes, mesmo que a contragosto. O aumento da população e consequentemente da cidade trazem novas necessidades, novas funções e novos espaços dentro das cidades. Porém, as cidades ainda se formam inconsequentemente como as cidades antigas, baseadas na necessidade momentânea e sem pensar no futuro próximo. Não obstante Londres ter tido tantos problemas com a criminalidade, prostituição, mendicância, e outros.
Pode-se considerar que Haussman é um dos pioneiros a colocar em prática um plano urbanístico. O Plano de Hausmann abriu grandes avenidas arborizadas, chamadas Boulevards, ligando pontos principais da cidade, como Bibliotecas, Teatros, Museus. Mas também como forma de melhorar a circulação de carros em Paris, assim como ter maior controle sobre revoltas populares.
É também passível de consideração que o Movimento City Beautifull seja um marco no pensamento planejador do espaço urbano. Embora este tenha tido uma passagem breve pela história, instigou e culminou no Plano de Burnham para Chicago em 1909, que foi além das ideologias do City Beautifull e propôs o que pode ser reconhecido como primeiro Plano Diretor para uma cidade, onde detalhava o funcionamento do crescimento do território urbano futuro. Vale ressaltar que até meados de 1950 o Plano Diretor não tinha a rigidez e reconhecimento dos planos atuais.
Vários teóricos se posicionaram em relação à organização das cidades, divididos em frentes, estes se organizavam em Humanistas, Naturalistas e Progressistas. Este último, de maior interesse em nosso estudo. O pensamento progressista não é nada menos que fruto do Movimento Moderno, onde o funcional e o progresso estão como prioridade, impulsionados pelo avanço tecnológico da época. Os avanços tecnológicos afetam o mundo, e principalmente a forma de vida das pessoas. O Well Fare State é um bom exemplo de como o consumismo exarcebado, gerado pelo capitalismo e principalmente pelas novas tecnologias de produção que baratearam utensílios domésticos em prol de facilitar a vida das pessoas, tornando-os mais acessíveis, mudou a forma de viver e de organizar a sociedade. Um ponto importante causador destas mudanças é a Carta de Atenas de 1933 feita no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Tudo o que foi construído nos 50 anos depois de redigido tal documento correspondeu, com maior ou menor fidelidade, os ideais modernistas, dando maior ênfase à higiene, luz, ao espaço aberto e à água, exigindo construções altas e distantes umas das outras.
Os avanços tecnológicos acima citados também afetaram a indústria da construção civil. A facilidade de produção de vidro, concreto, argamassa, armações, dentre outros materiais, gerou a racionalização da construção, observa-se pela proliferação de conjuntos habitacionais como enormes “caixas” de concreto e vidro que desnaturam a paisagem urbana. O crescimento de serviços, funções e atividades que nascem destes avanços, demandam espaços na cidade, e o modernismo dá como solução a estas exigências a setorização das atividades no espaço urbano, o zoneamento do espaço. As funções de serviço, lazer, habitação e outros, são pensados de forma segregada no espaço da cidade, o que demanda infraestrutura de transporte, de serviços, o que pode ser considerado um dos pontos fracos do Movimento Moderno. Esta setorização não somente aconteceu dentro da zona urbana, mas também na zona regional, sendo que algumas cidades se desenvolvem em torno de uma específica produção, formando pólos produtores que desenvolvem desigualmente as regiões.
O segundo ponto crítico do Modernismo e do pensamento progressista é o ideal de internacionalização da arquitetura, gerado pela racionalização da produção, que ignora o vernacular, o regional, assim, ignorando a cultura de cada povo e cada região, onde encontra com a resistência do conservantismo das tradições. Não se nega a história, os valores e a cultura que une um povo.
O Movimento Modenista também teve seu auge e seu declínio, dando lugar à sociedade contemporânea, onde o comércio capitalista está ainda mais intrínseco nas decisões do espaço urbano, o que leva o autor Franzesc Muñoz a cunhar o termo urbanalización. Se antes o produto estava dentro da cidade, agora a cidade é o produto. A cidade de antes tinha em seu atrativo suas indústrias, seus serviços. Hoje, a cidade passa a ser em si o atrativo. Ela é um produto a ser vendido. Está vinculada à cultura e ao consumo de massas, e assim, Muñoz a define, baseado no conceito de José Luis Pardo, como banalizada.
As cidades olímpicas são exemplos desta banalização do espaço. Barcelona por exemplo, passava por dificuldades econômicas em meados de 1975, necessitava de uma reorganização espacial e de gerar novos atrativos como tentativa de reerguer sua economia. O atrativo que propiciou toda essa reformulação da cidade, e consequentemente, a solução dos problemas econômicos de Barcelona, foram as Olimpíadas de 92. A cidade que antes dava as costas para o mar, onde sua ligação se dava pela área portuária degradada em abandonada em alguns setores, propõe toda uma reformulação, uma modificação drástica do espaço, modificando seu uso, instalando infraestrutura hoteleira que posteriormente seria destinada à população, na circulação e no transporte, de lazer, e interligando Barcelona com as cidades satélites através da difusão das atividades olímpicas no território, e não somente na cidade (um só setor). Desta forma, a cidade se transformou em um produto a ser vendido, com investimento forte em turismo. Mesmo caso de Paris, com o projeto de La Defénse, que valoriza o eixo histórico da cidade, mas não necessariamente o eixo histórico mais importante, mas o que tem maior potencial de crescimento comercial. Não obstante a região de La Defénse ser o pólo comercial de grandes empresas multinacionais em Paris. Mais que um produto, a cidade se torna um ideal, como o slogan I Love NY, ou as Nike Towns, onde se localizam o centro administrativo da Nike, porém, ironicamente não é produzido um tênis sequer da marca.
As cidades estão seguindo nada mais nada menos que o rumo que os produtos industrializados vêm tomando ao longo do tempo. Cidade como mercadoria ideológica. Só não se sabe aonde isso vai dar.